O jornalista Roldão Arruda publicou no blog do Estadão a seguinte reportagem: “Na Tv, Padre Fábio de Melo defende casamento civil gay.” Ele não foi desonesto com o conteúdo, mas eu mudaria a manchete: “Na Tv, padre Fábio de Melo distingue união cível entre pessoas do mesmo sexo e casamento gay.”
O contexto da reportagem faz menção à resposta que dei no Programa “Altas Horas”, da Tv Globo, quando interrogado a respeito do assunto, minha resposta consistiu em salientar as duas dimensões da questão. A religiosa (casamento) e a civil (união que favorece direitos). E sobre isto gostaria de falar com mais delongas, uma vez que a Tv não nos permite tempo de qualidade para abordar temas tão complexos.
Primeiramente, vale lembrar que as Igrejas cristãs são contra o casamento gay. E podem ser. Cada igreja tem seu código doutrinário e liberdade para isto. A Igreja Católica Apostólica Romana já se posicionou RADICALMENTE contra o casamento gay. E eu, como padre desta Igreja, não tenho autorização de emitir opiniões contrárias a ela.
Ponto. Como já fiz em outra ocasião, numa longa entrevista que dei à Folha de São Paulo, resolvi desdobrar a questão, pois há outro lado que precisa ser discutido e considerado para que não sejamos taxados de religiosos ingênuos e desinformados. Vale lembrar que esta reflexão não foi inaugurada por mim. Muitos padres, bispos, cardeais, inclusive Cardeal Bergoglio, hoje Papa Francisco, refletiram sobre esta distinção.
Moramos num país laico, isto é, o Estado não professa uma fé. Mas defende em sua constituição a liberdade religiosa. O Estado é gestado a partir de leis que não nascem nos altares. Elas nascem no Congresso Nacional, lá onde legislam os que foram eleitos por nós. Deputados e senadores trabalham, em âmbitos diferentes, na elaboração e aprovação das lei que norteiam direitos e deveres dos cidadãos.
Pois bem. A união civil entre pessoas do mesmo sexo é uma questão que não compete às igrejas, mas ao Estado. O casamento, sim, este diz respeito às Igrejas, pois são elas que pregam diariamente o significado da família, do amor e da tradição herdada, que nunca comportou o matrimônio de duas pessoas do mesmo sexo.
Mas o que podem as igrejas quando o assunto é o reconhecimento de uma sociedade (no cartório) entre duas pessoas que construíram uma vida em comum? Duas pessoas que edificaram um patrimônio e que precisam de leis que garantam seus direitos?
A questão ardilosa. As igrejas podem até opinar, protestar, manifestar indignação, mas não podem decidir. Em última instância, a resolução é do Estado, que da mesma forma que garante o direito de culto, garante também a indiferença religiosa. Isto significa que os cidadãos não são obrigados a seguir regras religiosas.
Algumas igrejas já decidiram que pretendem minar as forças do Estado. Qual a estratégia? Elegem vereadores, prefeitos, deputados, senadores, governadores e não demorarão a propor um presidente da República.
Basta dar uma olhada no grande número de deputados evangélicos nas bancadas estaduais e federais. É uma estratégia para quem pretende opinar e decidir para além de seus púlpitos. Eu não julgo a situação. Não digo se é boa ou ruim, mesmo porque eu nunca considerei que pertença religiosa é o mesmo que competência política. Religiosos no poder é um fato relativamente novo. Há alguns muito competentes e outros nem tanto. O tempo nos dirá.
A Igreja Católica sempre foi muito prudente na indicação de candidatos. Eu mesmo já fui repreendido por ter apoiado publicamente pessoas que eu considerava idôneas. E por isto não temos muitas notícias sobre “Bancada Católica” nas instâncias do poder. Talvez porque prefira a prudência, como em tantas outras questões.
Gosto de salientar que as regras civis não mudam em nada as regras dos verdadeiros cristãos. A liberdade cristã é uma instância superior às regras humanas. A carta de Paulo aos Gálatas é uma belíssima apologia a esta liberdade. A palavra do Santo Padre, o Papa, continua orientando os cristãos católicos pelo mundo. Nos países onde o aborto foi covardemente aprovado, as mulheres verdadeiramente cristãs continuam observando o valor supremo da vida.
E assim termino. Casamento gay é um assunto religioso, pois refere-se diretamente à instituição sagrada que as igrejas defendem: o matrimônio. E sobre isto podemos definir. União civil entre pessoas do mesmo sexo é uma questão do Estado. Podemos opinar, mas não decidir. A decisão ficará nas mãos dos que foram eleitos por nós.
A regra de Jesus continua valendo. “Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus.”
Mt, 22, 21.
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