segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

Ano Novo - Padre Fábio de Melo

O menino quis saber o significado do ano novo. Tentei dizer. Busquei as frases prontas...

Busquei as frases prontas que são tão comuns à essa época do ano, e prontamente me coloquei a repeti-las. Percebi que ele escutava tudo o que eu dizia, mas sem muito interesse. Ele voltou a insistir. Queria saber se haveria algum sinal que pudesse sinalizar a mudança do ano velho para o ano novo. 

Eu fiquei desconcertado. Eu confesso que o único sinal que me ocorreu foi a famosa queima de fogos que acontece na praia de Copacabana. Não tive coragem de dizer. Apesar da pouca idade, o menino buscava por um significado mais profundo a respeito do tempo. Sem muitos rodeios ele argumentou que não conseguia perceber muito sentido nessa história de ano novo. Ele tinha uma visão prática da vida. E sobre ela me falou. Buscou realidades simples do seu contexto e exemplificou para que eu pudesse entender sua dúvida. O menino estava coberto de razão. Sua visão prática era coerente, lúcida. Não há nada de novo no ano novo. O que muda é o relógio, o calendário, mas a vida continua o seu remanso de sempre. 

Foi então que busquei extrapolar o seu discurso prático e lhe ofereci algumas porções do meu discurso simbólico. Eu também precisava sobreviver àquela conversa. Não queria sair dela embebido daquela praticidade que poderia ruir minha capacidade de acreditar que existe alguma novidade à minha espera com o romper da nova década. O menino me olhava interessado. Falei sobre o tempo e seus ciclos. Falei da psicologia das horas. 

Argumentei que a demarcação das datas pode ter repercussão nas almas das pessoas. A oportunidade de virar o calendário pode ter efeito positivo sobre aquele que se sente pesado, angustiado, sem esperanças. Comparei o ano velho a uma gaveta que precisa ser limpa. Guardamos muitas coisas desnecessárias. Chega o momento em que precisamos fazer a triagem. É necessário limpar, jogar fora, abrir espaços para coisas novas. Ano novo e gaveta limpa podem ter os mesmos sentidos, sugeri. Toda vez que nós temos a sensação de um novo tempo, é natural que nossas almas sejam invadidas por esperanças. Faz parte do processo humano sofrer de esperanças.

A esperança é uma espécie de instinto de sobrevivência. O cansaço dos tempos idos pode dispor o nosso coração à possibilidade de mudanças. É como se houvesse uma saturação. Não queremos mais o peso do passado. Precisamos de outra oportunidade. O calendário novo nos oferece essa sensação. Ao saber que o ano velho está sendo finalizado, é possível que você se encha de expectativas importantes. 

O menino me olhou com carinho e agradeceu. Voltou para o seu mundo de brinquedos e deixou-me diante da necessidade de conciliar os dois discursos. O prático e o simbólico. Desaforo. O discurso prático parece humilhar o discurso simbólico. Ele resolve porque é dotado de clareza. É lógico, curto, asfixiante. E foi assim que recebi o ano novo. 

Tentando equilibrar os dois discursos dentro de mim. Vez em quando eu me recordo da ótica do menino. Eu não a desconsidero. Ele tem razão. Se a gente não se empenhar na construção de um novo tempo, nada acontecerá. O ano novo será mesmice, repetição de erros, acomodação de posturas, condução medíocre de oportunidades, explosão de fogos que oferece brilho breve, assustadoramente fugaz. Mas não precisa ser assim. Há sempre um motivo novo abscôndito nas velhas estruturas da condição humana. A isso chamamos de evolução, superação. O menino me ajudou com sua ótica. Perdi o medo de ser prático na minha reflexão sobre o tempo. 

De fato, nada mudou. Mas também não posso deixar de admitir que há um vento suave me conduzindo para o coração do futuro. E assim eu vou. Abraçando o presente, passando o passado, aprendendo com essa dinâmica interessante, inventada por alguém que não sei dizer, que faz o ano velho ser novo de novo.

Fonte: http://www.netvida.com.br/noticia/ano-novo-padre-fabio-de-melo/

segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

Mensagem de Natal

 
NATAL SEM O PAPAI NOEL... 
Estou preparando a minha árvore de Natal. Quero que ela seja viva, mas não quero que seja exterior. Eu a quero dentro de mim. Tenho medo das exterioridades. Elas nos condenam. Ando pensando que o silêncio do interior é mais convincente que o argumento da palavra. 

Quero que minha árvore seja feita de silêncios. Silêncios que façam intuir felicidade, contentamento, sorrisos sinceros. 


Neste Natal não quero mandar cartões. Tenho medo de frases prontas. Elas representam obrigação sendo cumprida. Prefiro a gratuidade do gesto, o improviso do texto, o erro de grafia e o acerto do sentimento. A vida é mais bonita no improviso, no encontro inesperado, quando os olhares se cruzam e se encontram. 


Quero que minha árvore seja feita de realidades. Neste Natal quero descansar de meus inúmeros planos. Quero a simplicidade que me faça voltar às minhas origens. Não quero muitas luzes. Quero apenas o direito de encontrar o caminho do presépio para que eu não perca o menino Jesus de vista. Tenho medo de que as árvores muito iluminadas me façam esquecer o dono da festa. 


Não quero Papai Noel por perto. Aliás acho essa figura totalmente dispensável! Pode ficar no Pólo Norte desfrutando do seu inverno. Suas roupas vermelhas e suas barbas longas não combinam com o calor que enfrentamos nessa época do ano. Prefiro a presença dos pastores com seus presentes sinceros. 


Papai Noel faz muito barulho quando chega. Ele acorda o menino Jesus, o faz chorar assustado. Os pastores não. Eles chegam silenciosos. São discretos e não incomodam... 


Os presentes que trazem nos recordam a divindade do menino que nasceu. São presentes que nos reúnem em torno de uma felicidade única. O ouro que brilha, o incenso que perfuma o ambiente e a mirra com suas composições miraculosas. 


O papai Noel chega derrubando tudo. Suas renas indisciplinadas dispersam as crianças, reiram a paz dos adultos. Os brinquedos tão espalhafatosos retiram a tranquilidade da noite que deveria ser silenciosa e feliz. O grande problema é que não sabemos que a felicidade mais fecunda é aquela que acontece no silêncio. 


É por isso que neste Natal eu não quero muita coisa. Quero apenas o direito de recolher o pequenino menino na manjedoura... Quero acolhê-lo nos braços, cantar-lhe canções de ninar, afagar-lhe os cabelos, apertar-lhe as bochechas, trocar-lhe as fraldas para que não tenha assaduras e dizer nos seus ouvidos que ele é a razão que me faz acreditar que a noite poderá ser verdadeiramente feliz. 


Neste Natal eu não quero muito. Quero apenas dividir com Maria os cuidados com o pequeno menino. Quero cuidar dele por ela. Enquanto eu cuido dele, ela pode descansar um pouquinho ao lado de José. Ando desfrutando nos últimos dias o desejo mais intenso de que a vida vença a morte. 


Talvez seja por isso que ando desejando uma árvore invisível. O único jeito que temos de vencer a morte é descobrindo a vida nos pequenos espaços. Assim vamos fazendo a substituição. Onde existe o desespero da morte eu coloco o sorriso da vida. 


Façam o mesmo! 


Descubram a beleza que as dispersões deste tempo insistem em esconder. Fechem as suas chaminés. Visita que verdadeiramente vale à pena chega é pela porta da frente. 


Na noite de Natal fujam dos tumultos e dos barulhos. Descubram a felicidade silenciosa. Ela é discreta, mas existe! Eu lhes garanto! 


Não tenham a ilusão de que seu Natal será triste porque será pobre. Há mais beleza na pobreza verdadeira e assumida que na riqueza disfarçada e incoerente. O que alegra um coração humano é tão pouco que parece ser quase nada. Ousem dar o quase nada. Não dá trabalho, nem custa muito... 


E não se surpreendam, se com isso, a sua noite de Natal tornar-se inesquecível. 


Padre Fábio de Melo