terça-feira, 22 de setembro de 2015

Reflexão

Um altar no ponto de ônibus – Pe. Fábio de Melo


De vez em quando eu me percebo acostumado aos absurdos do mundo, ou então incapaz de me alegrar com as alegrias que as esquinas resguardam. O motivo é simples. Sou contemporâneo. Estou exposto às demandas urgentes que meu contexto histórico me apresenta. Estou mergulhado nas estruturas deste mundo líquido, neste movimento de dias cuja metáfora é o fluir das águas que entre os dedos escapa.
As interpelações são muitas. Meu corpo único precisa administrar deslocamentos muitos. Discrepância que reconheço como revelação de uma realidade que me define como pessoa. Meu corpo é moderno, mas minha alma é antiga. Meu corpo é afeito às pressas, agendas, compromissos, aos passo que minha alma grita e reclama desejosa de calmaria.
Tenho encontrado muita gente sofrendo do mesmo mal. A origem de muitas angústias está diretamente ligada ao contexto de pressas e urgências que nos cercam. As cenas estão por todos os lados. Há sempre alguém estabelecendo o embate com o tempo. Gente que precisa articular as pressas do mundo com os desejos da alma.
Enquanto espero no meu carro o desenrolar do trânsito, olho para a mulher no ponto de ônibus. Presumo que esteja aguardando a condução que a conduzirá ao destino de sua casa. Os olhos parecem cansados com a espera. Deve ter passado o dia todo longe de seus significados, cuidando de filhos que não são seus, organizando a casa que não e a sua.
Eu a observo de longe. Vez em quando os seus olhos se perdem no pequeno relógio que está atado ao pulso. Olha como se quisesse paralisar o movimento dos ponteiros, que a envelhece. Olha como se desejasse fazer andar lento o tempo que lhe sobra pra estar com os seus. As sacolas plásticas segredam a pobreza do que ali se leva, mas não é intencional. A mulher não parece temer a revelação de sua simplicidade. Não há tempo para simulações. Tudo está à vista, pronto para ser desvendado, tal qual o enegrecimento do céu anunciando a chuva que virá.
A mulher e o tempo. Nela eu também me reconheço. Eu e minhas esperas. Inadequações. O que da vida desejo, o que da vida promovo.
A experiência nos ensina que nem sempre é possível viver conforme o desiderato. Desaprendemos a quebrar a prevalência das agendas sobre os anseios do espírito. Mas nesses intervalos de obrigações e compromissos quero que a alma permaneça desarmada. O cotidiano é prenhe de simbologias que nos propõem valores superiores, transcendentes. Pelas ruas das cidades há sempre um altar erigido, um púlpito de onde a existência nos alerta para os equívocos que cometemos. A vida dos outros a nos evangelizar. O grito profético que nos vem pela boca dos estranhos, pelos que nos despertam de nossas letargias, com o simples fato de viverem publicamente os mesmos erros que nós.
A mulher e suas sacolas plásticas. Dela, os filhos que não vejo, a família que espera o indulto das horas que os congregarão. Em breve a mãe reencontrará a vida que ama. A porta será fechada e o conteúdo da sacola encontrará o calor do fogo. A pobreza será esquecida, ainda que por breves momentos. A vida será bonita e valerá a pena num recanto que meus olhos não alcançarão. O poder sobrenatural do alimento. Vida humana sendo santificada mediante o rito que o amor sugere. A mesa será posta. As obrigações serão esquecidas. O banquete será servido. A poética do mundo estará no delicado da cena.
Os carros à minha frente se distanciam. Obedeço ao movimento que me convoca seguir adiante. Passo pelo ponto ônibus. A mulher continua olhando o seu pequeno relógio de pulso. Do retrovisor eu a vejo por uma última vez. Dobro a esquina. Uma alegria me visita. Eu encontrei o sentido da vida. No ponto de ônibus. Eu encontrei.
Pe. Fabio de Melo. In: É Sagrado Viver – Editora Planeta – 2012
Imagens/Reprodução/Internet

Pe. Fabio de Melo - Contrários

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Polêmico, mas padre !*-*

“Não tenho medo de ser polêmico. Só tenho medo de não ser autêntico. Não me sinto menos padre por me vestir como um jovem nos dias de hoje. Mas posso garantir que em nenhum momento eu me esqueço do meu compromisso com Jesus. Sou padre e esta é a minha condição. De calça jeans e camiseta, sou padre, com as vestes do altar, sou padre, de boné e bermuda, sou padre. Polêmico, mas padre”.

(Padre Fábio de Melo)

Santa Missa da Festa da Misericórdia com Pe. Fábio de Melo 12/04/2015